Um dia destes, entre viagens, montagens e desmontagens, conseguimos um pequeno intervalo no meio da agitação do seu dia, para que, a viva voz, nos pudesse responder a algumas perguntas. E esta conversa tem outro sabor, nesta altura em que estamos a “voltar a ser” novamente presenciais, temos ultrapassado momentos impensáveis, e o ritmo tem vindo a aumentar, nomeadamente com o Stand do Turismo de Portugal.
O Gilberto vai contar-nos na primeira pessoa a experiência de ser um dos lobos mais lobos da Multilem e como tem sido esta vida de montar, desmontar e viver as feiras e ainda como é que a Multilem tem a palavra futuro como apelido.

Margarida Monteiro (M) Gilberto, com tantos anos de Multilem, infindáveis horas de feiras e uma vida em montagens e desmontagens, sabemos que tem um sem fim de histórias para nos contar. Gostaríamos de ter tempo ilimitado para esta entrevista mas, não sendo possível, tentaremos focar-nos em transmitir como é o seu dia a dia de trabalho na Multilem e o tanto que tem passado em todos estes anos.

Comecemos então!

Gostaríamos de saber como é viver e estar tantos anos à frente da construção de stands e eventos, como consegue manter essa força de Lobo passados tantos anos e ser ainda prova viva dos anos de vida e saúde da Multilem?

Gilberto (G) – De facto, para fazer esta entrevista tínhamos que ter muito mais tempo….

M – Mas nós vamos conseguir!
Antes de todas as perguntas, diga-nos, ainda se lembra onde é que andava antes de vir para a Multilem?

G – Onde é que andava?… Lembro-me perfeitamente, era mecânico de motas.
Na altura, ainda não era Multilem, mas Encormate. Vim através do meu cunhado, para trabalhar numa máquina de betão solar que tinha mecânica. Estive um mês à experiência, a aprender a trabalhar com a máquina. Aprendi e ainda andei uns anos a trabalhar com essa máquina.

M – E isso foi há quantos anos?

G – Ui, foi há uns quarenta, quarenta e tal anos…já nem me lembro! Quantos anos é que tem  Multilem?

M – 35 anos…

G – Portanto eu já cá estava há uns bons anos, talvez 7 ou 8 anos na Encormate. Mais tarde nasceu a Multilem, e eu passei para a Multilem. Mas antes, já existia outra guerra. (risos)

M – E esta guerra de ir e vir, ir e vir? Imagina por quantos países já terá passado?

G – Uiii!! Nem tem conta. A primeira vez foi em Angola, onde tivemos de ir para fazer um stand. Tínhamos um contrato com o AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E. P. E.). E isso sim, foi uma experiência de Lobos….Aventuras Grandes!

M – Nunca tinham ido para lá?

G – Não. Ganhámos o contrato com o AICEP Portugal e por isso fomos fazer a representação em Angola, Moçambique, Líbia e Argélia.

M – E nunca tinha ido a esses países?

G – Não. Foi a primeira vez..

M – E como é que é estar nesses outros países às vezes com idiomas diferentes?

G – É complicado mas acabamos por nos desembaraçar através de gestos. Gestos é tudo! Eu pouco falo estrangeiro, inglês e tudo. Mas aos anos que ando nisto, safo-me sempre com gestos.

M – Então é a linguagem gestual prevalece acima de tudo?

G – Vou-lhe contar uma aventura assim simples. Quando a Multilem nasceu nós íamos de carro. Não íamos de avião. Agora é tudo diferente Eu e o Celso saímos daqui com a minha carrinha.

Íamos para a Alemanha e para outros países. Sem GPS. Tirávamos o mapa do google e lá íamos nós. Mas desta vez, já havia dias que andávamos perdidos e não sabíamos se já tínhamos chegado ou saído de um país. Para distinguir o país, contávamos os carros. Quando havia muitos carros alemães nós já sabíamos que estávamos na Alemanha! (risos)

M – Um estatística empírica…

G – Sem dúvida! Agora é uma maravilha com o GPS! Foram muitos anos nisto. Na Líbia, depois das montagens veio toda a gente embora e eu fiquei sozinho durante 15 dias, sem falar a língua deles ou na Argélia, enquanto lá estivemos, víamos as bombas a rebentar …são aventuras.

M – Esse telefone está sempre a tocar não?

G – Está sempre a tocar.

M – Voltando às aventuras- Não havia GPS, não havia telemóveis… como é que era montar um stand nessa altura e indo de carro. Partiam muito tempo antes?

G – Não, não. Partíamos com o tempo necessário para chegar. Nunca mais me esqueço. Eu ia montar o stand da TMN (dos telemóveis).Veja os anos que já foi?! Saí daqui com o pai do Luís pintor. Só nós os dois na minha carrinha. Fizemos a viagem em 24h. Sem dormir nem parar, direto.

M – E chegaram lá e foi logo montar?

G – Foi logo montar.

M – Mas a forma como fala …24 horas sem dormir, sem parar… parece tudo muito simples. Mas como sabemos não é bem assim, não é ?
Mas apesar de hoje as coisas serem mais fáceis em termos de comunicação, localização de tudo com o GPS… acha que montar um stand ou um evento agora é muito diferente do que era há 20 anos atrás?

G – Sim. É muito diferente.

M – Então conte-nos lá um bocadinho daquilo que mudou?

G – Antigamente as coisas eram mais difíceis, como é que hei de dizer? Hoje em dia já há melhores hotéis, por exemplo…

Há muitas diferenças, por exemplo: Ir de avião, chegar lá apanhar o carro alugado e ir para o hotel ou para a feira é uma coisa. Outra coisa é, vir de uma viagem de muitos kms num carro, dias e dias, chegar lá e ter que começar logo a montar. As feiras também já estão muito diferentes.

M – Ou seja, as infraestruturas melhoraram tanto que permite que as montagens comecem com outra frescura. É isso?

G – Outro exemplo, antes era complicado encontrar a localização do stand. As próprias empresas também já têm as coisas mais organizadas. Antigamente não havia a estrutura que há agora. Havia espaço para mais enganos.

M – Então o que nos diz é que as próprias feiras também melhoraram muito…que não é só a experiência que prevalece , é isso?

G – As feiras também melhoraram muito sim.

M – O que é que vale mais nas desmontagens? A experiência ou o método? Na confusão que é, muito material para organizar…porque são muitas coisas para desmontar e carregar.

G – É sem dúvida a experiência. É preciso já saber fazer. E a Multilem sabe-o, tem anos de experiência. Sem a experiência, é muito confuso. Os corredores estão sempre ocupados, nem conseguimos lá meter o material. Agora, com o COVID melhorou e os corredores são mais largos, mas chegámos a ter corredores de 1m e não tínhamos sítio onde colocar o material. Agora em Inglaterra, a feira é muito exigente e vêm-nos chamar à atenção se tivermos o material nos corredores principais mas a verdade é que não há outro sítio para o colocar. Durante a montagem, é um stress. Muito complicado!

 

M – Ou seja, há muitas regras a cumprir?

G – Imensas.

M – O Gilberto também consegue dizer-nos isso porque já esteve anos e anos nesse papel, tem essa experiência.

Nós gostávamos agora de lhe mostrar alguns projectos icónicos para a Multilem que terão com certeza grandes histórias por trás. Por exemplo, como é que foi montar o Altar do Papa?

G – Lembro-me bastante bem. Estava a chover. Foi um caos!

Gilberto - Em entrevista

M – Tudo é um caos. Mas depois tudo se compõe…acho que isso é que é inacreditável não é?

G – Claro. Quando se chega ao fim e se vê tudo pronto…. Ainda me lembro que um dia antes da inauguração, fui buscar o José Castro (Presidente na Multilem) ao aeroporto, vinha de Angola às 6h da manhã e queria ir directo para lá. Estava a chover imenso!

M – No dia da inauguração não choveu, porque as fotografias estão com uma luminosidade…

G – Na inauguração, esteve um dia espectacular. Um sol…

M – Incrível! E por exemplo, outra grande aventura deve ter sido as montagens para o campeonato Equestre em 2007.

G – Essa também foi de loucos! Não era só o trabalho, o cansaço… eram as melgas. Andávamos todos picados. Depois o cheiro dos cavalos. Nunca apanhamos um trabalho como este, foi um trabalho muito grande.

M – E, por exemplo, quando há materiais, que não são os de sempre e que trazem alguns desafios diferentes. Por exemplo, na Marmomac tiveram que lidar com mármores pesadíssimos. E quem diz estas pedras, diz outros materiais. Imagino que seja desafiante trabalhar com materiais diferentes, uns que já conhece e outros que são novidade?

G – Eu acho tudo desafiante. Por exemplo, nós que já trabalhamos há muitos anos com o Turismo de Portugal, é um stand que já estamos habituados a construir e montar…. Mas o da Marmomac não. Eu estive lá e foi muito duro também porque seguimos directos de uns stands para outros.
Acho que foi um dos mais dificeis! Eu fui primeiro desmontar em Milão, que era muito ferro. Depois segui para Verona de carro e a seguir e ainda para Lyon.. Tive que desmontar o stand num dia e depois de Lyon, seguimos para Paris. Além do trabalho, viajámos sempre de carro. Foi muito cansativo.

Gilberto - Em entrevista

M – O Gilberto é um herói…

G – Um herói não…os outros também são. Todos os que trabalham comigo.

M – O Gilberto também aqui está em representação de muitos.

Gilberto - Em entrevista

G – Eu digo que para a idade que eu tenho, não é brincadeira! Tenho 61 anos e ando lá no meio deles todos. Sem problema nenhum. (risos)

M – Sim! É uma energia infinita.

G – Deus queira que continue assim.

M – Estávamos a falar da desmontagem. Eu diria que essa é a última parte do processo. Damos início com a preparação toda aqui nos armazéns e no gabinete, etc. Depois seguimos para as montagens . Quando terminam as montagens, chega o momento da entrega, em que passou todo o caos, passou todo o cansaço. Como é esta sensação, apesar de dias tão intensos?

G – No momento em que entregamos o stand e o cliente fica satisfeito, acho que a sensação é de alívio, depois de tudo o que passámos!

M – E lembra-se de algum momento em que tenha terminado um stand e quando se afastou para o ver tenha pensado: que coisa incrível?

G – Tantos, tantos! Tenho memórias de stands que, até à última hora não sabíamos se o íamos conseguir acabar a tempo. Mas nem pensávamos, íamos dormir e no dia seguinte acordávamos melhor e lá conseguíamos recuperar a coisa.

M – E tem aquele pensamento “isto no final valeu a pena”?

G – Claro que vale a pena. Se não valesse a pena, não estaria cá há estes anos todos. Porque eu gosto disto.
Claro que também tenho que ganhar a minha vida mas não é só, eu gosto da Multilem, adaptei-me há muitos anos à empresa e é a minha vida!

Em 20 anos, não passei os anos do meu filho, da minha mulher… E os meus anos são sempre passados na Multilem. Ainda agora, passei os meus anos em Paris, a cliente foi buscar um bolo para me cantarem os parabéns. Portanto, está a ver a experiência que eu tenho? É a vida que eu escolhi, e eu gosto!

M – E é uma vida linda.

G – Então não é? Se não fosse, não estávamos cá.

M – Ainda agora falou que a cliente foi lhe dar um bolo…

G – Fizeram-me uma surpresa. Quando cheguei à feira, um rapaz da AVK que estava connosco veio-me chamar por causa de uma avaria no quadro. Fui ao quadro e quando chego, estava o bolo com todos os clientes da feira a cantar-me os parabéns e a bater palmas.

Gilberto - Em entrevista

M – Que bonito!
O Gilberto faz parte da equipa que testemunha não só as montagens mas também os dias de feira não é?

G – Tudo. Eu estou do princípio ao fim, sou o primeiro a entrar e o último a sair da feira.

M – E depois ainda recebe prémios…

G – Exacto, e ganhamos muitos prémios com o Turismo de Portugal. Ainda tenho umas fotos a receber!

Gilberto - Em entrevista

M – E depois da alegria de ver o stand montado, a entrega com sucesso, os dias de feira e de estar sempre disponível, chega o último dia e a desmontagem. Eu diria que desconstruir também é uma arte, qual é a sensação da desmontagem? É de vitória e missão cumprida ou às vezes dá alguma pena?

G – Acho que é missão cumprida! Porque, apesar de estarmos a desmontar, não estamos a estragar porque será montado noutro lado.
Sim, quando são aqueles stands que não vão ser montados em mais lado nenhum dá pena, mas estes não! Desmontamos com carinho porque temos que aproveitar o material e não estragar. São sistemas diferentes.

E digo-lhe mais, aqui há dias fui fazer um trabalho para Alcoutim, em que jantamos numa mesa à parte só nós, com uma locutora e um câmara da RTP. Em conversa, contei alguns detalhes da minha vida que eu e o Celso passamos em viagens no estrangeiro. Então, a locutora disse-me “Você ia dar uma história de um livro espectacular”. Tudo o que já passei, todas as aventuras que já vivi, as emoções, os medos e os perigos…as pessoas não têm ideia!

Gilberto - Em entrevista

M – Podemos fazer um livro da Multilem by Gilberto Nunes…

G – Deixe estar. (risos) O Celso andou comigo muitos anos também. Já passámos por muito!

M – E agora, é tudo mais controlado não é?

G – Sim , em termos de trabalho.
Toda a gente comete erros e nós já passámos por muito. Entre não carregar bem camiões ou desmontar stands em tempo record e com poucas pessoas.. As desmontagens podem ser complicadas também.

Gilberto - Em entrevista

M – O que é que é fundamental numa montagem? É a rapidez? A agilidade? O que é que é mais importante?

G – A agilidade e a inteligência de saber desmontar e arrumar o material ao mesmo tempo. Desmontar é fácil quando colocamos tudo no chão, o problema está em arrumar e armazenar corretamente e evitar custos em mais camiões do que o necessário. O espaço está contado, não podemos deixar escapar nada. É muito complicado.

M – A experiência aqui também vale muito ou não? Porque cada projecto é diferente?

G – Vale, tem que ser a experiência. E vemos isso quando as equipas são ou não da Multilem. É completamente diferente, quando já nos conhecemos bem, já sabemos o que cada um tem que fazer. Com novas pessoas, é preciso orientar, dar ordens, voltar atrás, refazer e acabamos por demorar muito mais tempo. Com equipas Multilem, basta dar os desenhos, cada um segue para fazer o seu trabalho e não é preciso dizer nada.

M – E quando as equipas são próximas, as montagens funcionam melhor?

G – Muito melhor. Em todo o lado.

M – E agora já em jeito de conclusão (porque o telefone continua a tocar…) Como tem sido reviver estas dinâmicas depois de meses parados, de incertezas e de dias esquisitos? Que tal a sensação de voltar à estrada?

G – Para mim, foi a melhor coisa que me aconteceu. Já estava a dar em maluco e tive muitas saudades. A primeira vez que fomos para fora foi com o Turismo de Portugal. Eu acho que isto já é um vício.
Por exemplo, eu este ano já me podia reformar, já tenho 45 anos de caixa, mas não consigo. Nem sei se alguma vez me vou conseguir reformar. A não ser que a Multilem feche. (risos)

M – Isso não vai acontecer.

G – É um vício. Está-me no sangue! Depois de tudo o que passei, acho que ainda vou andar aqui de muletas.

A minha mulher sempre disse que eu gostava mais da Multilem do que da minha família. E não está longe da verdade. E não é mentira nenhuma. Não acompanhei a infância do meu filho. Estava sempre fora.

M – Então a multilem significa muito para si…

G – Muito, muito! Não tem só a ver com o trabalho, mas também com os patrões. É uma convivência de muitos anos e eles têm a minha idade quase….

M – E uma palavrinha para os novatos?

G – Uii!! (risos) Há aí bons novatos! E, embora ache que nunca vão ser como os antigos, há pessoas boas não só a trabalhar na multilem e fazer o trabalho, mas com prazer e a gostar de trabalhar nesta empresa.

M – Mas o que diria, o Gilberto, para os motivar ou incentivar?

G – Diria para olharem para a minha vida, que vejam o que passei para estar nesta empresa.
Hoje em dia têm tudo, condições, carros, etc . Passamos por muito até termos estas instalações e as condições que temos hoje em dia.

M – Então persistência e gosto?

G – Sim. Não é só ganhar o ordenado. É ter muito gosto senão não chegam a lado nenhum.

M – E o Gilberto acha que está a transmitir o conhecimento?

G – Eu acho e espero que sim que sim. Todos sabem a vida que tenho.

E sai do fundo do coração. Se olhar para mim vê que o que eu estou a dizer é mesmo do fundo do coração. Daqui a bocado estou a chorar. Atenção!

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